Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

© 2011 Elizabeth Bevarly. Todos os direitos reservados.

À PRIMEIRA VISTA, N.º 1066 - Maio 2012

Título original: Caught in the Billionaire Embrace

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em portugués em 2012

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

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I.S.B.N.: 978-84-687-0279-7

Editor responsável: Luis Pugni

ePub: Publidisa

Capítulo Um

Havia apenas uma coisa que podia fazer com que a comemoração do trigésimo aniversário de Della Hannan fosse melhor do que estava à espera. Era algo com que não tinha contado e era exagerado dizer que, em criança, tinha idealizado todos os pormenores da comemoração. Tinha crescido numa comunidade na qual comemorar os aniversários era um aspeto inexequível e, por isso, eram ignorados. Muitos aspetos eram inexequíveis e, portanto, ignorados. Era precisamente por esse facto que Della tinha prometido a si própria aproveitar aquela comemoração, porque, desde criança, tinha percebido que só poderia contar consigo própria.

Nos últimos onze meses, desde que tinha conhecido Geoffrey, a sua opinião tinha mudado. Não lhe restava outra opção senão contar com ele, apesar de, naquela noite Geoffrey não poder estar presente. Tinha decidido não pensar nele nem noutra coisa qualquer. Aquela noite ia ser especial. Ia ser só para ela e ia ser tudo aquilo que uma menina proveniente de um dos bairros mais desfavorecidos de Nova Iorque tinha idealizado.

Para o efeito, Della tinha prometido a si própria que, antes de chegar aos trinta anos teria abandonado as tumultuosas ruas do seu bairro, ter-se-ia tornado milionária e iria viver junto ao Central Park. Tinha idealizado que, chegado aquele momento da sua vida, ter-se-ia habituado ao estilo de vida dos ricos e famosos. Não ia abandonar a sua promessa por estar a comemorá-lo em Chicago em vez de Nova Iorque. Iria começar com um jantar num restaurante de luxo, seguido de um lugar num espetáculo de ópera e um copo num bar que permitisse apenas a entrada à fina flor da sociedade. Tinha vestido um conjunto de alta-costura avaliado em milhares de dólares, tinha-se enfeitado com rubis e diamantes e tinha arranjado o cabelo e feito a manicura no melhor salão da cidade.

Suspirou de felicidade, enquanto aproveitava a primeira parte da noite. O restaurante Palumbo’s, na rua State, era o tipo de restaurante cujos preços se assemelhavam aos orçamentos anuais de alguns países. Tinha pedido os pratos mais caros da ementa, todos eles com nomes europeus cuja pronúncia tinha levado praticamente a semana inteira a ensaiar. Porque pedir os pratos mais caros era o que qualquer pessoa sofisticada, elegante e rica faria no dia do seu aniversário, não era?

Aquele pensamento fê-la olhar à sua volta para se certificar de que os restantes clientes, todos eles sofisticados, elegantes e ricos, estavam a aproveitar os respetivos jantares. E também para ter a certeza de Geoffrey não a ter seguido, apesar da desculpa que tinha arranjado para sair. Não iria falar com ele até ao dia seguinte, quando fizesse a chamada diária habitual. De qualquer forma, era impossível que soubesse onde tinha ido e muito menos que tinha saído, algo que não deveria ter feito. Tinha planeado a escapadela dessa noite, inclusive ainda mais ao pormenor do que a própria comemoração do seu trigésimo aniversário.

Para todos aqueles que ali estavam, ela tinha o mesmo sangue azul que eles e pertencia à mesma classe social. E, felizmente, não havia sinais de Geoffrey por parte alguma.

Enquanto esperava que lhe trouxessem uma entrada de lulas, Della bebeu um gole de champanhe, saboreando-o. Havia anos que andava a frequentar lugares como aquele, apesar de não ter nascido numa família rica. Tinha saído do seu bairro e subido degraus no escalão social, a estudar e imitar todos os indivíduos pertencentes àquele mundo até se conseguir fazer passar por um deles.

E aquela noite não era exceção. Tinha gasto uma fortuna para alugar o vestido de veludo da Carolina Herrera e os sapatos da Dolce & Gabbana, além dos brincos da Bulgari e o casaco preto de seda da Valentino. Os tons vermelhos realçavam os seus olhos cinzentos e o louro escuro do seu cabelo comprido, preso numa trança.

Levou a mão ao cabelo para se certificar que o penteado continuava no devido lugar e esboçou um sorriso pelo facto de adorar tê-lo comprido. Tinha andado a vida inteira com um corte de cabelo masculino até ao início desse ano. Também tinha decidido deixar de pintar o cabelo de preto para usar a sua cor natural. Com o passar dos anos, nem sequer se tinha apercebido de que o seu louro tinha escurecido até adquirir uma linda cor de mel. Entre a sua cor natural e o novo comprimento, ninguém da sua antiga comunidade a iria conseguir reconhecer nessa noite.

Mas obrigou-se a si própria a não pensar no passado. Aquela noite ia ser perfeita, tal como tinha andado a idealizar durante anos.

Excetuando o homem atraente e vestido de forma elegante que o empregado tinha sentado numa mesa junto à sua minutos antes e, para o qual não conseguia desviar o olhar. Em criança, nunca tinha considerado a hipótese de vir a ter companhia numa noite tão especial. Não sabia muito bem porquê. Talvez, devido à ideia de não ter mais ninguém. Ou talvez, pelo facto de em criança, nunca ter pensado num homem como aquele. No seu bairro, estar vestido de forma elegante significava ter a camisa abotoada, e atraente implicava não lhe faltar nenhum dente.

De repente, o homem levantou a cabeça e houve uma troca de olhares. Aconteceu qualquer coisa entre ambos. O homem inclinou a cabeça em jeito de cumprimento e curvou ligeiramente os lábios esboçando um sorriso. Após um momento de hesitação, ela ergueu o copo à laia de brinde. Tinha um smoking impecável vestido, feito à medida, que lhe realçava cada centímetro do corpo. Os seus olhos escuros estavam iluminados pela luz ténue da vela que estava à sua frente e o sorriso intermitente provocoulhe um formigueiro nas costas. Era o tipo de sorriso que transmitia a uma mulher que não a estava apenas a despir com olhar, mas também a imaginar aquilo que poderia fazer com aquele corpo.

Ao sentir que estava a ficar corada, desviou o olhar. Levou o copo de champanhe aos lábios para beber um gole e reparou noutros pormenores, tais como as toalhas brancas, os pratos de porcelana, as pessoas… Mas sem conseguir evitar, a sua atenção voltou de novo ao homem que estava sentado na mesa mesmo à sua frente e que continuava a olhar para ela com grande interesse.

– Então, o que é que acha? – perguntou ele, elevando a voz o suficiente para ser ouvido nas duas mesas mais distantes.

Della pestanejou, desorientada. Pela primeira vez na vida, compreendia perfeitamente o significado da palavra desorientação: um misto de confusão com uma estranha excitação no estômago que não era de todo agradável. Uma montanha de possíveis respostas assaltaram a sua cabeça, como por exemplo, dizer que era o homem mais lindo que alguma vez tinha visto. Ou perguntar-lhe o que iria fazer no final do ano.

– Da ementa – acrescentou ele elevando o cartão. – O que é que recomenda?

Aquela era uma pergunta completamente diferente daquela que estava a imaginar. Ainda bem que não se tinha precipitado na resposta.

– Não sei bem – respondeu. – É a primeira vez que venho cá jantar.

Por alguma razão, não acreditava que um homem como aquele pudesse ficar impressionado se lhe dissesse para pedir o prato mais caro da ementa para parecer elegante, sofisticado e rico. Era, simplesmente, por todas aquelas coisas que estava no mundo.

A sua resposta pareceu surpreendê-lo.

– Como é que pode ser a sua primeira vez? O Palumbo’s é, há mais de cem anos, uma instituição em Chicago. Não é de Chicago?

Não estava disposta a responder àquela pergunta. Principalmente porque ninguém, à exceção de Geoffrey, sabia que estava na cidade e a estava a vigiar bem de perto. Inclusive, apesar de não saber onde é que estava naquele preciso momento, não ia correr o risco de descobrir a sua pequena escapadela ao falar mais do que deveria com outra pessoa.

Portanto, não podia nem deveria responder àquela pergunta. Ia ter de mentir, coisa que Della nunca tinha feito, caso contrário a sua resposta daria lugar a uma conversa que ia fazê-la recordar o passado. Ou pior ainda, o presente. E queria deixar de parte todas aquelas coisas naquela noite, tendo em conta que, nada do seu passado ou presente lhe iria permitir usar vestidos da Carolina Herrera ou diamantes e rubis ou comprar bilhetes para a peça La Bohème.

Portanto, decidiu responder à primeira pergunta que tinha sido feita.

– Pedi o especial. Adoro marisco.

Ele permaneceu calado e Della questionou-se sobre se seria por estar a avaliar a resposta ou a pensar em insistir para responder à segunda pergunta.

– Vou ter isso em conta – disse ele finalmente.

Por algum motivo, parecia que aquilo que estava a tentar recordar era o facto de gostar de marisco e não o facto de lho ter recomendado para jantar.

O homem abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas o empregado chegou com um cocktail amarelo dourado que pousou à frente dele e outro cor-de-rosa que pousou no lugar vago que estava a seu lado.

Della apercebeu-se de que estava à espera de alguém. A avaliar pela cor da bebida, devia ser uma mulher. Os casais não jantavam em restaurantes como o Palumbo’s, a não ser que a relação fosse estável ou que um deles pretendesse que assim fosse. Aquele homem estava a dedicar-lhe olhares ardentes, até mesmo a tentar seduzi-la, apesar de, a qualquer momento vir a ficar acompanhado por outra mulher. Aquilo significava que era um autêntico desavergonhado.

Talvez a comemoração do seu trigésimo aniversário não fosse ser assim tão perfeita como tinha idealizado, e não por estar sentada tão perto de um desavergonhado, nem por ter alugado o vestido e os acessórios numa loja da avenida Michigan em vez de tê-los escolhido de entre aqueles que tinha no guarda-roupa.

Talvez fosse pelo facto de, além de não ter a vida de uma milionária, o atual estilo de vida de Della nem ser tão pouco seu. Tudo o que dizia respeito à sua vida, tudo o que fazia, cada lugar aonde ia ou cada palavra que dizia, tinha de ser observado e controlado por Geoffrey. A sua vida nunca mais iria regressar à normalidade. Ou, pelo menos, nunca iria ser a vida que tinha desejado para si própria ou aquela que tinha planeado. Seria uma vida criada e controlada por outra pessoa.

Logo que aquele pensamento surgiu, afastou-o para bem longe da sua cabeça. Recordou a si própria que, naquela noite, não queria pensar em nada daquilo e questionou-se sobre o motivo pelo qual estaria a ser tão difícil consegui-lo. Porque naquela noite não queria ser Della, pelo contrário, queria ser a mulher que havia duas décadas tinha sonhado vir a ser. Nada iria arruinar aquela noite, nem tão pouco aquele príncipe encantador que continuava a observá-la com olhar sedutor enquanto esperava pela companheira.

Como se tivesse lido o seu pensamento, a empregada sentou um animado grupo de quatro na mesa que havia entre eles, impedindo-a de ver o homem. Della ficou grata e desiludida.

Porque apesar de ser um desavergonhado, continuava a ser o homem mais atraente que alguma vez tinha visto.

Hora e meia depois, voltou a encontrá-lo no teatro, enquanto procurava o respetivo lugar. Ao perceber que estava no lugar errado do auditório, Della pediu ajuda a um empregado, que lhe indicou o camarote para onde se deveria dirigir. Dali tinha uma vista magnífica do palco e do lugar onde estava sentado o belo desconhecido que tinha encontrado no restaurante. Estava, novamente, sentado sozinho.

Ao sair do Palumbo’s, tinha-se certificado do facto de a companheira dele não ter aparecido e continuar sozinho. Tinha ficado enfeitiçada por ele, não sabia bem porquê. Talvez tivesse acontecido algum imprevisto àquela mulher e não tivesse chegado a tempo, ou talvez se tivesse apercebido do tipo de homem que era.

Era indiferente, fosse qual fosse o motivo.

Ao avançar pelo corredor até ao respetivo lugar, percebeu que não só estava no mesmo camarote ocupado pelo homem, mas também na mesma fila. Era um camarote com apenas três lugares. Também se certificou de que tinha sido deixado um programa e uma rosa no banco do lado, como se em breve viesse a ser ocupado.

Della sentiu um formigueiro no estômago perante a ideia de se ir sentar tão perto dele. Uma vez sentada na respetiva cadeira, não haveria forma de voltar atrás.

Respirou fundo e foi forçada a avançar até chegar ao fim da fila. Ele levantou a cabeça e, ao reconhecêla, esboçou aquele sorriso que a fez sentir novamente um arrepio.

Ao levantar-se, murmurou um cumprimento que Della praticamente não conseguiu ouvir porque estava concentrada a tentar não desmaiar. Não apenas cheirava bem, mas também era mais alto do que tinha parecido, o que a forçou a inclinar para trás a cabeça para lhe sustentar o olhar. Era algo a que não estava habituada, já que, com aqueles saltos que trazia, ultrapassava o metro e oitenta. Perante aquele homem, os olhos ficavam à altura dos ombros largos dele.

Mas foi o rosto dele que chamou a sua atenção. O queixo era firme, o nariz direito e bem definido, as maçãs do rosto pareciam esculpidas em mármore e os olhos… Os olhos eram da cor do chocolate, um castanho tão escuro e hipnotizador que Della mal conseguiu desviar o olhar. Depois, percebeu que, não era a cor nem a profundidade dos olhos que a tinham seduzido. Tinha sido o reconhecimento de algo tão sugestivo neles como o deslumbrante sorriso.

Assim que Della o reconheceu, o olhar do homem escureceu, como se achasse que conseguia ver para lá daquele olhar.

– Temos de deixar de nos encontrar desta forma – disse ele, esboçando um enorme sorriso.

O tom de humor na voz dele surpreendeu-a, principalmente depois da forma como a expressão do olhar dele tinha mudado. Apesar disso, não conseguiu resistir a devolver-lhe o sorriso.

– É estranho, não é?

– A verdade é que estava a pensar numa outra palavra.

– Qual? – perguntou, apesar de não querer saber qual era.

– Destino – respondeu ele de imediato. – Julguei que teria sido por destino.

Não sabia o que haveria de dizer, portanto, apressou a entrada e apontou para o lugar.

– Se me dá licença, o meu lugar é aí.

Ficou a olhar para ela durante alguns segundos. Dessa vez, os seus olhos não deixaram antever aquilo que lhe estava a passar pela cabeça.

– Faça favor – disse, saindo para o corredor para deixá-la passar.

Della apressou-se a ocupar o respetivo lugar e começou a ler o programa antes que ele dissesse alguma coisa que desse início a uma conversa.

No entanto, ele não se deu por vencido.

– Como é que foi o seu jantar?

– Magnífico – respondeu Della sem desviar o olhar do programa.

A breve resposta não conseguiu desencorajá-lo.

– Acabei por pedir faisão. Estava muito bom – disse e ao ver que Della não respondia, acrescentou: – Deveria prová-lo da próxima vez que for ao Palumbo’s. Recomendo.

Estava a tentar descobrir se vivia na cidade, da mesma forma que anteriormente tinha tentado descobrir porque é que nunca tinha ido ao Palumbo’s. Estava a tentar perceber se havia alguma possibilidade de se voltarem a encontrar, apesar da rosa e da cadeira vazia que havia entre eles.

– Tê-lo-ei em conta – disse ela e continuou a ler o programa.

Mesmo assim, ele continuou sem perceber a indireta.

– Sabe uma coisa? Não conheço praticamente ninguém da minha geração que goste de ópera – disse a tentar encontrar outra alternativa. – Principalmente para vê-la ao vivo ou pagar para ter um lugar de camarote. Deve gostar mesmo muito.

Della suspirou para o seu interior, praguejando pela mudança de conversa. Não havia forma de conseguir resistir a falar de uma das suas preferências.

– A verdade é que adoro – disse sem conseguir evitar, deixando cair o programa no colo.

Quando voltou a olhar para ele, a expressão tornava bem visível que sentia paixão pela ópera e que estava tão encantado como ela de estar ali. A tristeza que anteriormente tinha assomado no seu olhar tinha desaparecido. Naquele momento, tinha percebido que não eram, de todo, castanhos, já que tinham reflexos dourados.

– Gosto de ópera desde criança – disse ela. – A minha vizinha era uma enorme fã e transmitiu-me a paixão de apreciar os clássicos.

O que não disse foi que o interesse se devia ao facto de a rádio da senhora Klosterman ser audível por intermédio das paredes finas do apartamento. Além disso, não conseguia perder os comentários feitos pelo apresentador depois de cada ópera.

– A primeira vez que vi uma ao vivo – continuou, sem mencionar que tinha sido na televisão, – fiquei fascinada.

A verdade era que gostaria de ter tido aulas de música e especializar-se em ópera, mas ir para a universidade não tinha sido possível para uma aluna péssima e sem recursos económicos. Por isso, depois acabar o liceu, tinha começado a trabalhar como mensageira nos escritórios de uma das empresas mais conhecidas e respeitadas de Wall Street. E, ainda que tivesse feito um enorme esforço até chegar a secretária, Della nunca tinha tido tempo para os estudos. Tinha vivido bastante bem com ordenado que recebia, pelo menos melhor do que alguma vez tinha imaginado, e estava satisfeita com o rumo que a sua vida estava a levar. Até ficar desfeita em mil pedaços e só lhe ter restado Geoffrey, que lhe tinha prometido uma espécie de refúgio, mesmo apesar do elevado preço a pagar.

Como se a orquestra tivesse lido aquele pensamento, a música começou a tocar e as luzes foram-se apagando. Della não conseguiu evitar dedicar um último olhar ao parceiro de fila, enquanto o auditório ficava às escuras. Mas quando viu que estava a olhar para si, canalizou, de imediato, a atenção para o palco.

Depois disso, concentrou-se no mundo de Mimi, Rodolfo e dos amigos boémios, abstraindo-se da sua própria realidade. Assim, quando as luzes se acenderam no meio, precisou de alguns segundos para regressar de Paris do século XIX a Chicago do século XXI. Pestanejou várias vezes, respirou fundo e, sem conseguir evitar, olhou para o parceiro de fila. Ele estava a olhar para ela da mesma forma que tinha olhado quando as luzes se tinham desligado, era como se tivesse passado a primeira parte da ópera a olhar para ela.

Voltou a sentir aquela estranha sensação no estômago, pelo que, de imediato olhou para as pessoas que tinha à sua volta. O esplendor dos vestidos das mulheres, realçado pelas joias que brilhavam, fazia-as brilhar no meio do teatro. Della percebeu que, muitas mulheres estavam a agarrar no braço dos respetivos acompanhantes ao sair pelo centro e a forma como os homens inclinavam a cabeça enquanto elas riam ou conversavam.

Por um instante, sentiu que aquela noite não podia durar para sempre. Não seria maravilhoso poder aproveitar noites como aquela, sem ter de se preocupar com as consequências ou risco de ser vista num lugar onde não deveria estar? Nem tão pouco se conseguia lembrar da última vez que tinha saído. Geoffrey mantinha-a isolada. Passava o tempo a ler livros, ver filmes ou a olhar para as paredes que, afinal de contas, faziam parte da prisão. Apesar de a casa que tinha sido adquirida por Geoffrey não ter grades e ter muitas mordomias, Della sentia-se uma autêntica prisioneira. E iria continuar a ser daquela forma até Geoffrey lhe dar ordem de partida.

Mas aquela ideia também não a deixava aliviada, uma vez que não fazia a mínima ideia acerca do local para onde iria ou o que iria fazer, uma vez que Geoffrey decidisse que já não precisava dela. Iria ter de recomeçar a partir do zero, da mesma forma que o tinha feito ao deixar a antiga comunidade.

Motivos a mais para aproveitar a noite, pensou. Quem é que sabia aquilo que lhe iria reservar o futuro nas horas seguintes?

– O que é que lhe parece até agora?

Deu meia volta ao ouvir a aveludada voz de barítono e o coração começou a bater descompassadamente ao deparar com o olhar dele. Tinha de se controlar. Não era apenas um desavergonhado por andar a tentar seduzir uma mulher quando, supostamente, tinha outra, mas também por ser do tipo de homens que estava fora do seu alcance.

– Tenho de admitir que La Bohème não é das minhas favoritas – admitiu Della. – Acho que o Puccini foi, de certa forma, comedido ao compô-la, comparado com o dinamismo de obras como Manon Lescaut. Mas estou a gostar bastante.

Claro que aquilo tinha alguma coisa a ver com o seu acompanhante de palco, mas não tinha qualquer motivo para lho dizer.

– E você? O que é que acha? – perguntou ela.

– Para ser sincero, acho que já a vi vezes demais – respondeu ele. – Mas é interessante a sua opinião acerca do facto de Puccini ser comedido. Sempre tive essa mesma opinião. Realmente, gosto mais da interpretação de Leoncavallo do libreto de Murger.

–Também eu – disse ela, esboçando um sorriso.

– Estamos em minoria.

– Eu sei.

– Realmente, gosto mais da La Bohème de Leoncavallo do que da sua Pagliacci, uma opinião que pode fazer com que me expulsem de muitos teatros de ópera.

Ela esboçou um sorriso.

– Eu também a prefiro à Pagliacci. Parece que nos expulsariam a ambos.

Ele também esboçou um sorriso e ambos permaneceram em silêncio, como se nenhum dos dois soubesse aquilo que haveria de dizer. Depois de alguns segundos bastante tensos, foi Della a romper o silêncio.

– Bem, se já viu tantas vezes a La Bohème, e prefere outras óperas, porque é que está cá esta noite?

– Tenho bilhetes para a temporada – respondeu encolhendo os ombros.

Tinha falado no plural, o que significava que o lugar vazio ao lado também era dele. Talvez houvesse alguém a ocupá-lo nas outras noites. Seria a mulher dele?

Olhou para a mão dele, mas não viu qualquer anel. No entanto, havia muitas pessoas casadas que não usavam aliança. Della questionou-se sobre quem é que teria por hábito acompanhá-lo e porque é que não estava presente naquela noite. Esperou para ver se dava alguma explicação acerca da misteriosa cadeira vazia.

– Por isso é que sei que não costuma vir nas noites de estreia ocupar essa cadeira – disse, esboçando um sorriso. – Ter-me-ia apercebido.

Della tentou ignorar o formigueiro que sentia no estômago.

– É a primeira vez que cá venho – admitiu.

– É a sua primeira vez no Palumbo’s, no Lyric… Acabou de mudar-se para Chicago, não foi?

Evitou responder porque os deuses estavam a esboçar-lhe um sorriso. Um casal tinha-se aproximado para cumprimentar o seu parceiro de fila, dirigindo-se a ele como Marcus. Depois, continuaram a falar até as luzes começarem a desvanecerse. O casal partiu e Marcus voltou a olhar para Della.

– Vê bem de onde está? – disse e deu umas palmadinhas na cadeira vazia. – Talvez veja melhor daqui. Tem de conseguir o melhor ângulo para Addio Dolce Svegliare Alla Mattina.