Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

© 2009 Robyn Donald. Todos os direitos reservados.

PRÍNCIPES EM SEGREDO, N.º 1282 - Abril 2012

Título original: Rich, Ruthless and Secretly Royal

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em portugués em 2011

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

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I.S.B.N.: 978-84-687-0258-2

Editor responsável: Luis Pugni

ePub: Publidisa

CAPÍTULO 1

Os tambores ecoavam na noite tropical, o seu ritmo vigoroso quase abafava o som das guitarras. Com um sorriso forçado, Hani Court observava os convidados da festa a cantar e a divertir-se.

O povo de Tukuulu tinha organizado aquela festa polinésia para honrar o grupo de estudantes de Engenharia da Nova Zelândia que refizera a rede de esgotos desastrosa da vila.

Sendo estrangeira, e uma das professoras da escola local, ninguém esperava que Hani se unisse à festa, de modo que se dedicou a observar as roupas coloridas, sentindo saudades de Moraze, o seu lar. Sob a lua cheia, homens e mulheres dançavam o sanga, uma expressão erótica de desejo, sem sequer se tocarem.

A milhares de quilómetros de Moraze, em Tukuulu, a dança polinésia partilhava quase os mesmos movimentos de mãos e a sensualidade do sanga.

Seis anos antes, Hani tinha aceitado que não voltaria a dançar o sanga, que nunca mais voltaria a rir-se com o seu irmão Rafiq, que nunca mais voltaria a andar a cavalo pelos vales de Moraze. Nunca mais voltaria a ouvir as pessoas a aclamarem o seu governante e a irmã dele, a rapariga a quem chamavam «a sua pequena princesa».

Nunca mais voltaria a sentir desejo…

Infelizmente, aceitá-lo não significava resignar-se.

Olhou à sua volta. Não estava a trabalhar e ninguém sentiria a falta dela se voltasse para casa.

De repente, sentiu um formigueiro na nuca e, quando se virou, sentiu um aperto no estômago ao encontrar-se com uns olhos azuis.

Era um homem mais alto do que os outros, de ombros largos e rosto atraente de traços marcados. Mas o que o fazia destacar-se dos outros era o seu ar formidável de autoridade.

Quem era aquele homem? E porque olhava para ela daquela maneira?

Contendo o desejo instintivo de fugir, Hani viu que o homem se dirigia para ela. E sentiu que lhe ardiam as faces ao reconhecer o brilho dos seus olhos.

Desejo.

Muito bem, conseguia lidar com aquilo. Mas o alívio foi imediatamente seguido de surpresa perante a resposta perturbadora do seu corpo.

Nunca, nem sequer da primeira vez que vira Felipe, experimentara aquela sensação ao olhar para um homem. A sua pele ardia, sentia um arrepio na nuca como se esperasse um ataque.

Assustada, tentou acalmar-se para controlar os batimentos erráticos do seu coração.

«Calma», disse a si mesma. Certamente, só quereria dançar ou seduzir um pouco.

Mas esse pensamento fez com que a sua pulsação acelerasse ainda mais. Talvez pensasse que era dali. Embora fosse mais alta do que a maioria das mulheres polinésias, o seu cabelo preto e a sua pele dourada faziam com que se misturasse com as pessoas sem chamar a atenção.

O homem parou ao seu lado e, aturdida, Hani sentiu o sorriso dele por todo o corpo, um sorriso tão carismático que a deixou sem fôlego. Apercebeu-se então de que estava a ser observada pelo resto das mulheres e, de repente, sentiu uma certa antipatia pelo estranho. Um homem absolutamente autoconfiante.

Como Felipe Gastano.

Mas era injusto atribuir-lhe os pecados de Felipe…

– Olá, o meu nome é Kelt Gillian.

Hani sentiu que lhe ardia a cara quando viu que ele estava a olhar para os seus lábios.

– Hannah Court – apresentou-se, esperando que a frieza do seu tom o assustasse.

Como é claro, não era fácil assustar aquele homem, que arqueou um sobrolho, até que finalmente lhe ofereceu a mão. Quando os dedos dele se fecharam sobre os seus, Hani deu um salto.

– Desculpe, magoei-a?

– Não, absolutamente. Não, é que… Está tudo bem.

Teve de fazer um esforço para não largar imediatamente a sua mão. Os dedos do homem eram firmes e quentes, a mão de uma pessoa que trabalhava muito.

Mas não fora isso que tinha provocado o salto.

Felizmente, os tambores deixaram de tocar naquele momento e os bailarinos pararam de dançar.

O estranho olhou por cima do seu ombro.

– O que se passa?

– Chegou o conselho de anciãos e o ritual é ficar em silêncio.

Kelt Gillian não parecia o tipo de pessoa a quem importavam os rituais polinésios, mas ficou a observar o grupo de homens e mulheres que mandavam em Tukuulu.

Hani suspirou. Os anciãos iam fazer um discurso para agradecer aos estudantes neozelandeses e seria um insulto partir quando estivessem a falar. De modo que, embora tivesse de ficar ao lado daquele homem, pelo menos, não teriam de falar.

Teria tempo para controlar os nervos e pensar em alguma coisa para dizer. Mas perguntava-se quem seria e o que fazia ali. Embora a sua altura e os seus olhos azuis parecessem dizer que era do norte da Europa, a sua pele morena indicava ascendência mediterrânica.

Talvez fosse australiano ou da Nova Zelândia, embora não parecesse ter esse sotaque.

Quanto ao que estava a fazer ali… Bom, havia uma grande mina de níquel em Tukuulu, a única indústria da ilha, de modo que certamente teria alguma coisa a ver com isso.

E, se fosse assim, tentaria persuadi-lo de que a empresa mineira deveria tornar-se responsável pela escola que educava os filhos dos mineiros.

Meia hora depois, Hani teve de fechar os olhos, ofuscada pela luz das tochas. Começava a doer-lhe a cabeça…

«Não, por favor. Outra vez, não.»

Com cuidado, abriu os olhos… e fechou-os novamente quando a dor de cabeça se tornou insuportável.

A febre tinha voltado.

«Não te assustes. Quando acabarem, poderás ir-te embora.»

Durante quase dois meses, a última vez que sofrera de febre tropical, tinha a certeza de se ter libertado daquele vírus. Da última vez que acontecera, o director da escola tinha-lhe dito que deveria ir para um clima mais suave para recuperar…

Mas ela não tinha para onde ir, não tinha dinheiro.

Olhando para a mulher que estava ao seu lado, Kelt Cryssander-Gillian ouvia os anciãos. Embora não conseguisse entender tudo o que diziam, porque o dialecto de Tukuulu era muito fechado, entendia o conceito e as canções que se seguiam a cada orador.

Fora uma pena que o conselho não tivesse demorado mais dez minutos a chegar. Então, teria tido tempo para se apresentar adequadamente e conversar com aquela mulher de rosto fascinante e aspecto reservado.

Kelt voltou a olhar para os oradores, mas o perfil feminino de queixo decidido e o brilho da pele dourada estavam gravados na sua mente.

«Será da ilha?», questionou-se. Se tivesse os olhos verdes como lhe tinha parecido, certamente não. Embora tivesse o cabelo preto, comprido e liso como as mulheres de Tukuulu, não tinha visto nenhuma com reflexos avermelhados como os seus. Trabalharia na escola? Provavelmente. Quando chegara, estava a falar com uma das professoras.

E não usava aliança.

Uma hora depois, finalmente o conselho de anciãos fez sinal para que continuassem com as celebrações e, imediatamente, todos voltaram a falar e a rir-se, as conversas abafadas pelo ecoar dos tambores.

Mas a mulher que estava ao seu lado virou-se sem dizer uma palavra. Kelt sorriu, irónico. Ah, a famosa capacidade de sedução dos Gillian! Não recordava que outra mulher tivesse dado um salto quando lhe apertara a mão…

Kelt viu que tropeçava, mas que se recompunha em seguida e continuava a andar de cabeça erguida.

Mas passava-se alguma coisa com ela, tinha a certeza. Porque não caminhava de forma normal, ia inclinada para a frente… e viu-a a tropeçar novamente, e a apoiar-se no tronco de uma árvore.

Kelt dirigiu-se para ela.

– Sente-se bem?

Hani tentou endireitar-se ao ouvir aquela voz. Mas inclusive sentindo-se tão mal, sabia a quem pertencia.

– Sim, obrigada – murmurou, humilhada ao dar-se conta de que devia parecer bêbeda.

– Quer alguma coisa?

– Não.

«Vai-te embora, por favor.»

– Consumiu álcool ou drogas?

– Nenhuma das duas coisas – murmurou Hani, fechando os olhos.

– Não acredito – suspirou ele, agarrando-a pelos ombros. – Para onde ia?

Ela teve de fazer um esforço sobre-humano para falar.

– Para a minha casa.

O homem pegou-lhe ao colo, como se não pesasse nada, e, quando chegaram à porta, Hani esperava ter forças suficientes para tomar a medicação antes que a febre lhe causasse pesadelos.

– Onde tem a chave?

– Na mala – respondeu Hani, passando uma mão pelo braço. – Está frio – murmurou, apoiando-se nele para procurar calor.

– Calma, eu vou ajudá-la a entrar.

Tremia de tal forma que tinha a certeza de ter ouvido os seus dentes a bater e, no entanto, estava a arder. Sentia o calor dela através do vestido.

Segurando-a com um braço, Kelt introduziu a chave na fechadura e, uma vez dentro da casa, procurou o interruptor da luz.

A jovem tapou a cara com as mãos, como se a incomodasse a luz, e escondeu a cabeça no seu peito. E, através do algodão da camisa, Kelt pôde sentir o calor dos lábios dela.

Imaginando que a porta que havia em frente seria a do quarto, levou-a para lá. Lá dentro havia uma cama pequena e um candeeiro sobre a mesa-de-cabeceira como única fonte de iluminação.

Hannah Court deixou escapar um suspiro antes de abrir os olhos, uns olhos verdes rodeados de pestanas compridas, enquanto a deixava sobre a cama.

– Os comprimidos – murmurou. – Na gaveta de cima…

Kelt encontrou um frasco de comprimidos na primeira gaveta da cómoda.

– Vou buscar um copo de água.

Quando voltou, Hannah tinha os olhos fechados e estava deitada na cama. A sua saia subira um pouco, deixando a descoberto umas pernas fabulosas… e Kelt teve de desviar o olhar para controlar uma pontada de desejo.

– Hannah…

Perdida entre a dor e a febre, ela não respondeu. Kelt sentou-se ao seu lado e repetiu o seu nome, mas, novamente, não houve resposta.

Assustado, pôs uma mão na sua testa… Estava a arder em febre. Talvez devesse chamar um médico.

Mas antes devia dar-lhe o comprimido.

– Abra a boca, Hannah.

Ela obedeceu e tomou o comprimido com um gole de água. Kelt ajudou-a a deitar-se novamente e tirou-lhe as sandálias. Aquela rapariga precisava de ajuda.

Quase tinha chegado à porta quando ouviu um gemido seguido de uma pancada e voltou a correr para o quarto. Hannah tinha caído da cama e estava no chão, a tremer.

«Que tipo de febre ataca assim?», questionou-se.

– Calma – murmurou, pegando-lhe ao colo para a deixar novamente sobre a cama. – Não se preocupe, vou chamar um médico.

– Fica… Por favor… Raf…

Raf? O seu namorado? Surpreendido e irritado por uma pontada repentina de algo que não poderiam ser ciúmes, Kelt murmurou:

– Não se preocupe, não me vou embora.

Aquilo pareceu acalmá-la e a sua respiração tornou-se mais regular.

Kelt olhou para o seu lindo rosto. O seu irmão Gerd rir-se-ia se o visse. Aquele quarto tão espartano não podia ser maior contraste com a pompa e circunstância com que tinha vivido recentemente em Carathia, quando a sua avó apresentara Gerd como o novo governante às pessoas do país montanhoso adriático.

O seu irmão sempre soubera que um dia governaria Carathia e Kelt sempre se tinha sentido agradecido por o destino não lhe ter atribuído aquele cargo. No entanto, o seu título de príncipe Kelt, duque de Vamili, também tinha sido confirmado. E com isso deveriam acabar os murmúrios de descontentamento entre o povo.

No ano anterior, a sua avó, a grã-duquesa de Carathia, tinha sofrido uma pneumonia. Já estava recuperada, mas tinha chamado Gerd, com a intenção de selar a sucessão do país. As cerimónias tinham sido magníficas, com a presença de toda a realeza europeia e de muitos presidentes.

E de muitas princesas.

Kelt teve de sorrir, perguntando-se se a sua avó conseguiria casar o herdeiro com alguma delas.

Suspeitava que não.

Gerd era obrigado por séculos de tradição, mas escolheria a sua própria esposa. E, um dia, os seus filhos herdariam o trono.

Kelt franziu o sobrolho ao pensar nas tradições de Carathia, que complicavam a vida dos seus governantes. O que acontecera novamente, e da maneira mais inconveniente, mesmo antes das cerimónias. Alguém tinha ressuscitado a antiga lenda do segundo filho, o verdadeiro escolhido, e estavam a fomentar um esforço de rebelião nas montanhas, onde o povo se agarrava às crenças antigas.

Felizmente, ele passava pouco tempo em Carathia desde a sua infância, de modo que a sua presença não era uma ameaça para Gerd. Mas não gostava das informações que lhe chegavam.

Os rumores começavam a parecer o primeiro passo de um plano organizado para provocar desordem em Carathia e conseguir o controlo de um dos minérios mais apreciados do mundo, usado extensamente na electrónica.

A mulher que estava na cama suspirou, apoiando a cara no seu pescoço. Já não estava a arder e tinha deixado de tremer.

Kelt reparou que a música tinha parado e, quando olhou para o relógio que havia sobre a cómoda, apercebeu-se de que estava a abraçá-la quase há uma hora. Não sabia o que tomara, mas resultara milagrosamente depressa.

No entanto, pouco depois, reparou que a sua testa estava coberta de suor. O vestido de algodão estava encharcado, o tecido colava-se ao seu corpo como uma segunda pele, destacando a curva das suas ancas, dos seus seios, a linha das suas coxas…

E, de repente, sentiu-se invadido por um desejo urgente.

Sem dizer nada, deixou-a sobre a cama. Novamente, ela emitiu um gemido de protesto, mas, pouco depois, adormeceu profundamente.

Não podia deixá-la assim, não serviria de nada deixá-la dormir com a roupa encharcada em suor.

O que podia fazer?

Na manhã seguinte, um pouco trémula, mas já sem febre, Hani agradeceu à medicina moderna e questionou-se quem teria sido o seu salvador.

«Kelt Gillian», recordou então.

Um nome fora do comum para um homem fora do comum. Recordava vagamente que a tinha trazido ao colo para casa, mas pouco mais.

No entanto, nunca esqueceria a sua voz, tão fria e seca, enquanto lhe pedia… O quê?

Pedia-lhe que fizesse alguma coisa… Ah, sim, que tomasse o comprimido.

Ao endireitar-se, apercebeu-se de que usava uma camisa de dormir e não a roupa do dia anterior.

– Mas como…? – começou a perguntar, franzindo o sobrolho.

Hani olhou à sua volta. O vestido que usara na festa estava sobre a cama. O seu salvador não só ficara para lhe dar o comprimido, como também lhe tirara a roupa…

«Bom, agradeço-lhe», pensou. Fizera o que devia e, embora não gostava da ideia de que a tivesse visto seminua, era estranhamente consolador saber que, pelo menos, alguém se preocupava com ela.

Mas, durante o resto do dia, não conseguiu deixar de recordar o seu rosto anguloso. Em vez de se perguntar porque pensava nele, quando o resto dos homens a repugnava, recordar o toque das suas mãos despertava-lhe pensamentos… quase pecaminosos.

Recordava vagamente o calor do seu corpo e a força dos seus braços, embora também recordasse o desdém na sua voz quando lhe perguntara se tinha bebido ou consumido drogas.

Mas nunca mais voltaria a vê-lo, de modo que lhe era indiferente o que pensasse dela.

CAPÍTULO 2

Três semanas depois e vários milhares de quilómetros a sul, num porto, num oceano Pacífico mais tranquilo do que o que ela conhecia, Hani olhava para as caras das cinco crianças que tinha diante de si. Embora fossem de uma beldade de catorze anos, de cabelo preto e pele dourada, a um rapaz loiro com tanto protector solar que brilhava, os seus traços denunciavam que eram aparentados.

Como seria ter uma família… Filhos próprios?

Hani senti um aperto no coração, não queria pensar nisso. Nunca.

– Como te chamas? – perguntou-lhe a criança loira.

– Hannah – respondeu ela. – E vocês?

Todos lhe disseram os seus nomes ao mesmo tempo, mas seis anos como professora do ensino básico tinham-na ensinado a memorizar rapidamente.

– Kura, onde vives? – perguntou à mais velha.

– Em Waituna – respondeu ela, como se lhe tivesse feito uma pergunta tola. – Mas esta é a praia de que mais gostamos e, se nos portarmos bem, deixam-nos brincar aqui.

Deveria ter o coração mais duro para suportar o olhar daqueles cinco pares de olhos.

– Antes, tenho de saber se são bons nadadores.

– Não vamos nadar, porque, para isso, teria de vir um adulto connosco – respondeu Kura. – A minha mãe proibiu-nos e o duque mandou-nos embora quando nos viu a brincar à beira da água.

O duque? O tom da menina parecia dizer que ninguém se atrevia a contrariar aquele homem.

– Quem é o duque?

As cinco crianças olharam para ela, surpreendidas.

– É como um príncipe ou algo parecido. A sua avó usa uma coroa e, quando morrer, o seu irmão viverá num castelo – Kura virou-se para assinalar a colina que ficava numa ponta da baía. – Vive ali, atrás das árvores pohutukawa.

O irmão do duque ou o duque? Hani teve de disfarçar um sorriso.

– Parece-me bem que brinquem aqui.

As crianças desataram a correr… Todas, salvo o menino loiro, que se chamava Jamie.

– Porque é que tens os olhos verdes?

– Porque a minha mãe os tinha desta cor – Hani teve de reprimir uma expressão de tristeza. O seu irmão e ela tinham herdado aqueles olhos e, cada vez que se via ao espelho, pensava em Rafiq.

Embora já devesse ter-se habituado à ideia de que não voltaria a vê-lo.

– São bonitos – disse a criança. – Porque vieste para aqui?

– Estou de férias.

No dia a seguir ao seu ataque de febre, o director da escola tinha-lhe dito que, se não aceitasse a oferta de ir para a Nova Zelândia, a organização não-governamental que patrocinava a escola não poderia encarregar-se das suas despesas médicas. Além disso, pagar-lhe-iam a viagem e a casa na praia onde ficaria.

Sem lhe dizer que a despediriam se não fosse para Kiwinui para recuperar, estava, de qualquer forma, tão claro, que Hani tivera de aceitar e deixar para trás a segurança de Tukuulu.

– Até logo – disse Jamie, depois de satisfazer a sua curiosidade.

Hani deixou-se cair sobre a cadeira do alpendre. Ampla e confortável, a casa tinha portas de vidro e todas as divisões davam para o alpendre. O dono da casa, um homem de meia-idade, tinha ido buscá-la ao aeroporto na noite anterior.

Ao recordar o seu sotaque britânico, teve de sorrir. Devia ser por isso que as crianças o achavam um aristocrata.

Depois de se apresentar formalmente como Arthur Wellington, dissera-lhe: «O frigorífico e a despensa estão cheios. Se precisar de mais alguma coisa, não hesite em telefonar para o número anotado no calendário».

Hani tinha-lhe agradecido, mas agora apercebia-se de que se esquecera de lhe agradecer pela oportunidade de se hospedar ali.

Mas fá-lo-ia quando fosse pagar-lhe a comida que ele tinha comprado.