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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Linda Susan Meier

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

A filha secreta do magnata, n.º 1446 - Setembro 2014

Título original: The Tycoon’s Secret Daughter

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Bianca e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5373-7

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Capítulo 1

 

Max Montgomery saiu do elevador do Mercy General Hospital e ficou sem fôlego. A mulher que saía da cafetaria era igual à sua ex-mulher, Kate. Era pequena, usava calças de ganga e uma t-shirt sem mangas, tinha cabelo preto, que lhe chegava aos ombros... Abanou a cabeça, pois devia estar a ficar louco... A ex-mulher tinha-se ido embora de Pine Ward, na Pensilvânia, há quase oito anos. Tinham-se divorciado legalmente, não respondera às cartas que tinha enviado para casa dos pais dela e, que soubesse, não tinha voltado, nem de visita. Não podia ser ela.

Foi até à porta, mas virou-se, por curiosidade. Estava virada de costas, diante da porta do elevador, mas sempre a sentira, se estava num raio de dez metros, sempre soubera se estava prestes a entrar no quarto. Aproximou-se cautelosamente, mas deteve-se. Embora fosse ela, porque quereria vê-lo? O que ia dizer-lhe? Que sentia que tinha estragado o casamento, mas que já não bebia...? Na verdade, não era má ideia. Pedira desculpa a muitas pessoas, menos a ela, que era quem mais merecia uma desculpa. Respirou fundo, aproximou-se e tocou-lhe no ombro. Ela virou-se. Ficou sem pulsação. Era ela. Recordou imediatamente o dia em que a conhecera numa festa, à beira de uma piscina. Usava um biquíni verde, a combinar com os seus olhos. A beleza dela chamara a sua atenção, mas fora a personalidade que conquistara o seu coração. Era delicada, intrépida e divertida. Ao fim de uma breve conversa, conseguira que esquecesse todas as mulheres que conhecera. Nesse momento, tinha-a diante de si. Os joelhos fraquejaram.

No entanto, quando o reconheceu, a sua expressão de surpresa transformou-se em espanto.

– Max!

Sentiu um nó na garganta e, de repente, relembrou quase todos os momentos que tinham passado juntos. Como conversavam até ao amanhecer, a noite em que se conheceram, a primeira vez que se beijaram, a primeira vez que fizeram amor, o dia do casamento... Tudo o que tinha deitado a perder por uma garrafa.

– Kate...

Mostrou-lhe um copo com café.

– Eu... Hum... Tenho de ir levar isto à minha mãe.

– A tua mãe está aqui, como paciente? – perguntou ele, com visível preocupação.

– Não, ela está bem – Kate olhou à sua volta. – O meu pai teve um derrame cerebral.

– Oh... Lamento muito.

– Está melhor – e voltou a olhar para a direita. – Foi um derrame leve. O prognóstico é bom. Tenho mesmo de me ir embora.

Era o pior momento da sua vida. Há oito anos, teria pulado para os braços dele mas, nesse momento, não podia suportar que estivesse por perto... E não podia culpá-la por isso. No entanto, mudara. Frequentara os Alcoólicos Anónimos durante sete anos e dava-se conta daquilo que tinha perdido. No entanto, o mais importante era saber que pedir desculpa e reconhecer os seus erros fazia parte do programa constituído por doze passos. Quando o elevador chegou, agarrou-a pelo braço e sentiu uma descarga elétrica. Olharam-se nos olhos e a tristeza tomou conta do seu coração. Como a amara.

– Lamento, tenho de...

– Tenho de me ir embora. Eu sei, mas preciso de um minuto.

Um grupo de pessoas entrou no elevador. Olhou à sua volta, com nervosismo, e ele sentiu uma pontada de dor. Nem sequer podia estar com ele. Recordou aqueles momentos em que a tinha magoado e essa dor era bem conhecida, pois tinha defraudado muita gente. Mas isso fora há sete anos.

– Tenho de te dizer que lamento – declarou, a poucos metros do elevador.

– Tens? – perguntou ela com perplexidade.

– Sim, faz parte do programa.

– Ah, os doze passos – concluiu ela, com um brilho no olhar.

– Efetivamente.

– Deixaste de beber... – murmurou, olhando-o com mais interesse.

– Sim – confirmou, esboçando um sorriso.

– Fico feliz.

– Eu também.

Fez-se silêncio e ele percebeu que não tinham mais nada a dizer. Tinha arruinado o seu casamento e ela tinha-o abandonado para se salvar.

– Deveria levar isto à minha mãe, antes que arrefeça – insistiu, mostrando-lhe o café.

A dor voltou a apropriar-se dele. Fora sua, tinham-se amado, mas não podia ficar preso ao passado, tinha de pensar no futuro.

– Claro, lamento.

As portas do outro elevador abriram-se e Kate decidiu entrar, mas uma menina saiu a correr.

– Mamã! A avó pediu-me para te vir procurar. Pensa que estás a fazer o café...

Mamã...? As pernas começaram a tremer-lhe. A menina tinha o cabelo tão preto como Kate, mas os olhos... Eram os olhos dos Montgomery. A dor deu lugar ao assombro.

– Quem é...?

– É Trisha – respondeu Kate.

– O diminutivo de Patricia? – perguntou ele, sem dar crédito ao que estava a ouvir.

Patricia era o nome da sua adorada avó. Porque iria chamar-se assim, se não fosse sua?

– Sim – sussurrou ela, com lágrimas nos olhos e um sorriso tímido.

Tinha uma filha e Kate não lhe dissera? Voltou a olhar para a menina com um misto de dor, curiosidade e incredulidade. No entanto, a fúria ia ganhando terreno dentro dele. Por isso o tinha abandonado? Para que não conhecesse a filha? Felizmente, ainda conservava algum bom senso. Não podia perguntar claramente a Kate se era sua filha, com aquela linda e inocente menina diante dele.

 

 

Kate queria agarrar na filha e fugir. Não porque temesse Max, pois era encantador, quando estava sóbrio. No entanto, quando estava bêbado... Na noite em que decidira ir-se embora, sem lhe dizer que estava grávida, tinha destruído a televisão e atirado uma jarra pela janela, que estava fechada. Soube que não poderia trazer um filho àquele mundo, mas também soube que não bastaria deixá-lo. Ele tinha dinheiro e poder. Quando a filha nascesse, ele conseguiria vê-la e ela não poderia controlar aquilo que pudesse vir a acontecer. Se bebesse quando estava com ela ou conduzisse bêbado, com ela no carro, poderia matá-la sem que pudesse evitar, porque todos os juízes do condado deviam a sua eleição aos Montgomery. Naquela noite, compreendera que ele estava cada vez pior e fez a única coisa que podia fazer. Desaparecer.

– Temos de ir – repetiu ela, entrando no elevador.

– De acordo – concedeu, olhando para elas.

Captou a fúria nos olhos dele e entrou com Trisha. As portas fecharam-se e fechou os olhos, sentindo um certo remorso. Há quanto tempo estava sem beber? Os pais não se moviam no mesmo círculo social que ele e ela vivia muito longe. Provavelmente, tinha deixado de beber no dia seguinte, quando ela se fora embora. Provavelmente, tinha ocultado a existência de Trisha, sem motivo.

– Quem era?

Kate abriu os olhos e olhou para a filha. Não era o momento, nem o lugar, para lhe dizer que acabara de ver o pai, mas soube que esse momento se aproximava. As portas do elevador abriram-se.

– Vamos, a avó está à espera.

– É verdade, ela pensava que estavas a fazer o café.

Kate sorriu e dirigiu-se para o quarto do pai. Tivera o derrame há poucos dias, mas já estava consciente e passava quase todo o dia na fisioterapia, para garantir a sua reabilitação. Tinha tanta vontade de voltar para casa, que estava de muito mau humor.

– Olá, papá – e deu-lhe um beijo no rosto. – Se soubesse que estavas acordado, também teria trazido café para ti.

Bev Hunter, a mãe, aproximou-se. Era da estatura de Kate, usava calças de ganga, uma t-shirt sem mangas e tinha cabelo castanho, curto e muito bem penteado.

– Não pode tomar café, até o médico o autorizar.

O pai revirou os olhos, mas sorriu à esposa.

– Às suas ordens, meu sargento.

As mãos de Kate tremiam, quando deu o café à mãe.

– Aqui tens.

– Obrigada – Bev bebeu um gole. – Pensei que te tinhas perdido.

– Não me perdi.

– A mamã estava a falar com um homem.

– Verdade...? – perguntou Bev, com as sobrancelhas arqueadas.

– Era um conhecido – e assinalou Trisha com a cabeça. – Não é um bom momento para falar disso.

A mãe franziu o sobrolho, antes de abrir muito os olhos, ao compreender.

– Não...?

– Apareceu de repente. A Construções Montgomery faz as consultas médicas em junho.

– Então, viu Trisha – murmurou a mãe.

Kate pegou num copo de papel que estava na mesinha do pai e deu-o a Trisha.

– Podes deitá-lo fora, no cesto dos papéis da casa de banho e, em seguida, lavar as mãos?

Trisha assentiu com a cabeça e foi-se embora.

– Max viu-me. Trisha saiu do elevador quando estávamos a falar, olhou para ela e soube.

– Sabia que não deverias ter vindo – disse a mãe, pondo a mão no peito.

– Não ia abandoná-los, quando o papá está tão doente – Kate fechou os olhos. – Mamã, Max deixou de beber.

Bev demorou um segundo a assimilar e soprou com irritação.

– Sentes remorsos? – perguntou. – Estava cada vez mais violento. Não podias fazer outra coisa, para proteger a tua filha.

– Poderia ter comprovado...

– Não sabes quando deixou de beber. Não é o momento para ter dúvidas.

– De acordo, mas estava zangado – Kate suspirou. – Se não for falar com ele, certamente, irá esta noite a minha casa ou amanhã receberei um documento legal... Ou as duas coisas.

Trisha saiu da casa de banho. Se ele fosse a sua casa, teriam de falar diante da menina e não queria que Trisha soubesse que o pai era um bêbado.

– Será melhor resolveres tudo agora – disse a mãe. – Podem ficar sem mim, um momento?

– Claro – respondeu Bev, sem dissimular a sua preocupação.

– Porta-te bem – pediu Kate à filha.

Trisha assentiu com a cabeça e Kate saiu do quarto. Entrou no carro e dirigiu-se para o centro de Pine Ward. Era uma pequena e velha cidade, que tentava sobreviver depois de as siderurgias terem fechado. Estavam a reabilitar edifícios, a plantar árvores na rua principal e, inclusive, tinham aberto alguns restaurantes. Deixou o carro num parque de estacionamento e dirigiu-se à zona que tinha construções mais modernas. Deteve-se diante do edifício amarelo da Imobiliária e Construções Montgomery. Só tinha quatro pisos, mas transmitia um ar de prosperidade e poder. Vacilou. Embora Max estivesse tranquilo, no hospital, sabia que estava zangado e não era de estranhar. Se a situação fosse ao contrário, também estaria furiosa. Seria preferível dar-lhe alguns dias, para que se acalmasse? Suspirou e decidiu que não. Poderia ir a sua casa e discutirem diante de Trisha ou teriam de se reunir num escritório de advogados e acabaria por perder, porque Max podia pagar a advogados muito melhores que os dela.

Atravessou as portas de vidro e olhou à sua volta, no vestíbulo reformado. Os tetos eram abobadados, a luz entrava por enormes claraboias e um balcão de madeira amarela ocupava o centro da divisão. Os Montgomery já eram ricos quando casara com Max e sabia que a empresa tinha crescido. No entanto, vê-lo pessoalmente era um aviso das diferenças que havia entre os Montgomery e os Hunter. Sentiu medo. Tinha ocultado ao poderoso Max Montgomery a existência da filha durante quase oito anos, se contasse com a gravidez. Embora tivesse pensado em ligar uma centena de vezes, para lhe contar, cada vez que tinha pegado no telefone lembrara-se daquela noite, da jarra destruída, da janela partida, e sentira medo. Não só por si, mas também pela filha. No entanto, porque iria acovardar-se nesse momento, quando não lhe deixara outra alternativa senão ir-se embora? Fora ele que provocara tudo aquilo e, certamente, ainda se recordaria disso. Também lhe perguntaria se gostaria que tudo fosse revelado num julgamento. Aproximou-se do balcão da receção.

– Posso ajudá-la? – perguntou uma bonita ruiva de vinte e poucos anos.

– Sim. Gostaria de ver o senhor Montgomery.

A rapariga olhou para o pequeno ecrã do computador.

– Tem reunião marcada?

– Não, mas se lhe disser que Kate Hunter Montgomery está aqui, tenho a certeza de que me receberá.

A jovem olhou para ela com as sobrancelhas arqueadas. Kate encarou aquele olhar e soube perfeitamente o que a rececionista via. Uma mulher pequena, com grandes olhos verdes e cabelo muito denso. Não era precisamente a mulher que alguém esperaria que estivesse casada com um magnata moreno, de olhos azuis, alto e magro, que sempre tinha atraído mulheres muito bonitas. No entanto, escolhera-a a ela. A rececionista premiu dois botões e virou-se. Ouviu algumas palavras em voz baixa, incluindo o seu nome e a sua descrição. Certamente, tinha ligado à secretária de Max, que transmitiria a informação. Tinha as mãos húmidas. Estaria tão furioso que não quereria vê-la? Recordou o que era estar casada com um homem rico. Recolha de fundos, inaugurações, bailes, festas... Estava sempre preocupada, para não dizer ou fazer algo inconveniente. Nunca se sentia à altura.

A indignação percorreu-lhe o sangue. Era a melhor diretora de projetos da sua empresa, no Tennessee, tinha criado a filha sozinha e se ia a um evento de recolha de fundos, contribuía. Se ia a uma inauguração, era de um edifício que tinha ajudado a construir. Claro que estava à altura. Se Max acreditava que o seu dinheiro a ia amedrontar, estava muito enganado.

– Desculpe, senhora Montgomery – disse a rececionista, ao fim de um momento. – Pode subir.

– Na realidade, agora, sou a menina Hunter.

A jovem assentiu com a cabeça.

– Entre no terceiro elevador. Haverá um membro da segurança que introduzirá o código.

Foi até ao último elevador, com a cabeça bem erguida.

– Bom dia, menina Hunter – cumprimentou o vigilante, demonstrando a eficiência da rececionista.

O homem premiu uns botões e o elevador abriu-se. Demorou uns segundos a chegar ao último piso. Umas árvores em vasos contrastavam com um sofá e uma poltrona verdes. No chão de madeira havia um tapete, também verde. Max, sentado atrás de uma mesa e diante de umas janelas grandes, ergueu o olhar. Kate não viu o pai furioso da sua filha, nem o poderoso magnata. Viu o verdadeiro Max, com o seu denso e incontrolável cabelo escuro, o seu sorriso franco e uns lindos olhos azuis. A primeira vez que os pousara nela deixara-a sem respiração e roubara-lhe o coração. Outro motivo para fugir, quando ficara grávida. Independentemente de o quão assombrosa tivesse sido a sua vida, sempre o amara e ele sempre fora capaz de a enrolar. Engoliu em seco. A fanfarronice que tinha sentido na receção começava a desaparecer. No entanto, não estava ali para se defender, mas sim para defender Trisha.

– Kate, tenho de admitir que estou surpreendido – comentou, levantando-se.

– Bom, não sou a menina pusilânime com quem casaste e vamos conversar.

– Demonstras muita arrogância, apesar de seres a mulher que fugiu.

– Fugi de um bêbado – replicou, sem rodeios.

– Vejo que usas golpes baixos.

– Dizer a verdade não é um golpe baixo. A não ser que não consigas suportá-la.

Ele respirou fundo e aproximou-se do sofá e da poltrona verde.

– Sei quem sou, sou o que sou.

Ela sentou-se na poltrona, para não se sentar ao lado dele, no sofá.

– Então, esta conversa deveria ser muito simples. Temos uma filha e, como já não bebes, estou disposta a permitir que a vejas, desde que eu esteja presente.

– Connosco? – Max sentou-se no sofá. – Não posso ficar sozinho com ela?

– Não. Até eu confiar em ti – respondeu, com a cabeça muito erguida.

Max olhou para ela. Mudara tanto como ele. Alguém desconhecido tinha substituído a doce Kate. Provavelmente, era alguém que não queria conhecer. Provavelmente, era alguém que merecia o arrebatamento de fúria que desejava libertar. Mas não podia gritar, por muito que o desejasse. Fora o culpado de ela se ter ido embora e gritar, como quando estava sob o efeito da bebida, não resolvia nada.

– Não me parece que estejas em situação de impor as condições – replicou ele, com calma.

– Eu penso que sim.

– Segundo dois dos meus advogados, não estás.

– Já chamaste os teus advogados? – perguntou com incredulidade.

– Um empresário inteligente sabe sempre quando precisa que o aconselhem.

– Acreditas que vais intimidar-me com os teus advogados?

– Penso que vou fazer o que tiver de fazer.

– Queres que me esconda de tal forma, que nunca mais verás a tua filha?

– Estás a ameaçar-me?

– Estou a proteger a minha filha, não vou pôr Trisha em perigo.

– Perigo? Não tens nada a temer por ela. Nunca te fiz nada!

– Não, apenas destruíste uma televisão e partiste uma janela. Estavas descontrolado, Max, senti medo.

– Podias ter falado comigo.

– A sério? Podia ter falado com um homem tão bêbado que quase não se aguentava em pé?

– Provavelmente, cheguei bêbado a casa mas, pela manhã, estaria sóbrio.

– E com ressaca.

– Sentisse como me sentisse, iria ouvir-te.

– Não é disso que me lembro. Lembro-me como era viver com um homem que, ou estava como uma bebedeira ou com ressaca. Foram três anos de silêncio, mentiras ou promessas por cumprir. Três anos a viver com um homem que quase nem sabia que eu estava ali. Não vou deixar que a minha filha fique a olhar pela janela, à tua espera, como eu fazia, ou que se vá deitar com a preocupação de que possas ter um acidente ou que passe o dia sozinha, porque saíste durante toda a noite e não te levantaste.

– Já não bebo! – exclamou, com fúria.

– Espero sinceramente que não o faças, nunca mais, mas nem sequer me podes garantir isso. Portanto, ficarei entre Trisha e tu, para a proteger. Não vai passar pelo que eu passei.

A voz tremeu-lhe e a raiva que o tinha dominado, e tinha ditado as suas respostas, acalmou. Não estava apenas furiosa com ele, ainda estava magoada.

– Sabes o que é viver com alguém que diz que te ama, mas que nã

Max ficou petrificado. Há tanto tempo que não passava por uma cena assim, que se tinha esquecido. No entanto, quando Kate se virou com expressão de cautela e a voz carregada de dor contida, o remorso apropriou-se dele. Tinha motivos para estar zangada.

 

 

– Eu digo-te – continuou ela. – É doloroso mas, sobretudo, é uma solidão entristecedora.

A culpabilidade corroía-lhe as entranhas. Sabia que lhe fizera mal, mas nunca estivera sóbrio para captar a dor na sua voz e ver o brilho nos seus olhos. Ela queria evitar que Trisha passasse por isso e ele também.

– Não lhe farei mal – defendeu-se.

– Dizias-me sempre o mesmo, que não me farias nada. No entanto, fazias-me mal todos os dias.

– Lamento – e fechou os olhos com força. – Lamento muito.

– Tudo bem.

Sentia-se profundamente indignado. Detestava o seu passado, tanto como ela o detestava, mas ela também não era inocente.

– Alguma vez pensaste que, provavelmente teria deixado de beber há mais tempo, se tivesse sabido que ia ter uma filha?

– Não – e olhou-o nos olhos. – Amavas-me, Max. Sempre soube, mas isso não era motivo suficiente para que deixasses de beber. Não ia arriscar, não com a nossa filha.

– Pelo menos, poderias ter dito que estavas grávida, antes de te ires embora.

– Para que aparecesses bêbado no hospital, enquanto dava à luz? Para que aparecesses bêbado no dia de Natal, no colégio, e ela morresse de vergonha diante das amigas?

Tal panorama envergonhou-o. O que fizera quando estava bêbado, envergonhava-o tanto como tinha envergonhado os seus amigos e a família. Não ia resolver as coisas, dizendo apenas que lamentava. Teria de lhe demonstrar. Suspirou, porque parte da sua recuperação consistia em aceitar aquilo que fora.

– É possível que seja melhor estares presente, quando eu a visitar.

– É possível – replicou ela, com delicadeza e seriedade.

– Posso ir conhecê-la, hoje à noite?

– Penso que será melhor manhã, ao fim da tarde. Levo a minha mãe todos os dias ao hospital, mas Trisha aborrece-se. Pensei em levá-la para casa, ao fim da tarde.

– Posso ir?

– Sim. Teremos uma certa privacidade, até o meu pai voltar do hospital.

Kate foi até ao elevador e ele ficou com uma certa sensação de culpa. No entanto, quando o elevador se fechou, pensou que tudo poderia ter sido diferente, se lhe tivesse dito que estava grávida. E sentiu raiva. Não lhe dera a oportunidade de se corrigir, nem de ser pai. Mesmo assim, poderia culpá-la? Sim. Podia entendê-la, mas também tinha o direito de conhecer a filha. Levantou-se e voltou para a mesa. Isso tinha sido o que o pai lhe dissera, na noite em que o recriminara por ser o pai biológico do seu irmão adotivo, Chance, por ter criado o filho ilegítimo numa mentira, por ter utilizado uma adoção para esconder uma aventura. O pai dissera-lhe que tinha o direito de conhecer o filho. Estivera anos sem pensar nisso. O irmão tinha-se ido embora na noite em que ele enfrentara o pai e, por isso, em parte, começara a beber. Nos Alcoólicos Anónimos, tinha aprendido a deixar para trás esses problemas mas, nesse momento, a sua mente dava voltas. Tinha saudades do irmão e sentia uma dor intensa porque Kate tinha voltado, e ela fazia parte daquela fase da sua vida. Perder Chance podia ter sido aquilo que o empurrou para o alcoolismo, mas já não era aquele homem, há sete anos. Só esperava que, ao ver Kate, ao discutir com ela, ao conhecer uma filha que não sabia que tinha, não tirasse aquele homem do seu esconderijo. Agarrou no telemóvel e marcou o número do seu padrinho nos Alcoólicos Anónimos.